quinta-feira, abril 27, 2006

Sobre correspondências

Novamente as tuas cartas mal mandadas
Ainda a desconfiança da súplica,
Os restos de açúcar que deixo
Do café:
Mero vestígio.
Violadas as caixas de correio
Nada espero
Desconfio ainda das tuas cartas
Embalo o remetente em cobertor de lã
Atiço o destinatário
Sempre
Desfigurado
Em mim, ausência das respostas
E o que paira duvida
Sempre
Do recebimento prévio
Via-sedex.
Mas as cartas registradas
Podem
Me aprazer mais
Pelo modo de envio.

terça-feira, abril 25, 2006

Não me prenda
entre essas mal conservadas
paredes.
Todo dia busco
brechas
nesses teus cabelos brancos
que emudecem.
Já não canto
mas desvendo
sua voz
(por debaixo dos cabelos)
que nada precisa dizer
para ser compreendida.

Todo dia busco as brechas
disfarçadas nas paredes
mal cuidadas e puídas
por entre as dobradiças
entre espaços entre
uma e outra gota.
(Chove não só
nesse apartamento
mas na folha,
essa onde escrevo)

sexta-feira, abril 21, 2006

Não te alcanço e te tento.
Não te alcanço
mas repuxo meu corpo
ao máximo.
Fexibilizo.
Não te alcanço.
Tento entantos
Me alongo
Te miro
Longínquo.

Tento versos colados
Uma corda.
Tento palavras novas
Que registro em caderno barato
Tento a supressão do mundo
Mas então te perco
E a poesia ainda
Em curso
Não te alcanço.

quinta-feira, abril 20, 2006

Paixão

Hoje todos comem chocolates e imersos
nas poças da chuva abrem seus guarda-chuvas multicor.
Amarro meus cabelos soltos forjando um disfarce.
Meus pés não são imunes a essas poças,
mesmo assim me atenho ao fino das calçadas breves,
eu pulo o meio fio num deslize, tentando ultrapassar:
escorrego sobre a água suja que semeia um lago,
que semeia espelhos.
Vagas passadas pelo enlize do molhado.
Passos anônimos configuram na chuva vultos claros
num dia turvo
todos e seus guarda-chuvas multicor
me aguardam
em meio aos repetidos passos.
Ninguém se vê nos reflexos aquáticos.
Todos comem chocolates, engordam.
Eu forjo um disfarce a plena segunda feira.
Não tenho chapéu, mas presilhas de pontas de cabelos
escassos –
soltas, coloridas, prontas para disfarce,
restantes do corte doméstico.
Irremediáveis os atos, imagens de um sórdido domingo.
Do início, com chuva, apelos, revanches.
Disfarces e um traje largo
marrom.

segunda-feira, abril 17, 2006

Casual

Quando te vi era Santa Teresa e seus olhos não eram mais os mesmos.
Sua boca não mais a mesma, nem as pernas, nem os lóbulos.
Convicta examinei os pés, na esperança de encontrar terreno
e seus pés, unhas, joelhos, todas as dobras,
que foi feito de você?, eu perguntava.
E tentando entender motivos, imaginava estar tudo esquecido
atrás das cortinas do apartamento,
escondido nas longas frases, distantes palavras, perdidas num naufrágio.
Quando te vi era Santa Teresa, uma ocasião peculiar
e as cores todas em seu redor desapareciam.
Eu não sabia mais cantar
e, na minha mudez, cheguei a pensar que não podia me lembrar de coisa antiga,
das coisas que vivi, do que brilhava firme em seus olhos de amendoim bem negros,
das imagens daquele inverno, tudo aquecido e evaporado em fumaça repentina.
Os meus pés eram imóveis.
Olhei ao redor, examinando tudo, não sabia as lembranças,
não mais as pessoas, as casas, o chão de pedras que nos rodeava,
tudo sumindo à minha frente e, súbito, a percepção maior,
você ali e o bairro inteiro em ocasião especial...
Quando te vi era Santa Teresa. Cidade em festa, emergindo balões.
Não só seu corpo, suas pernas e dobras, cotovelos, as unhas, os lóbulos:
Santa Teresa não era a mesma. E eu tentava analisar seu corpo...

quinta-feira, abril 06, 2006

Do inferno

Pela primeira vez em exposição ao vento:

Observava a lua cheia
Porque hoje ela era lua.
Ela era cachos e até loira.
A água gélida no rosto perecível -
Nada mais do que o silêncio daquelas palavras.
(palavras embutidas)
Ruído da noite numa surdez eterna e muda.

Observava a lua como nunca antes,
Porque hoje ela era lua, ela era muda, era eclipsada.
Se expunha ao vento, à água
E pela primeira vez observava
A escuridão da lua envolta
Como nunca antes vira
O vento, a água, aquela geleira.

No seu rosto perecível,
Esfinge, matéria morta.
Era até loira, nessa hora.
Até gelo, quase um chão.

Enquanto o rosto se desfazia,
Decompunha a noite em partes
De gélida simetria.
Observava, como nunca,
A lua, o céu, o vento ardil
Que dava socos.

Transpunha-se em geleira clara, em frieza morna,
Pontada que não dilui. Transpunha-se em matéria morna
e molhada. Viscosa: quase pus.