quinta-feira, junho 16, 2005

Vingança

Fernanda Shcolnik

o homem queria vingança e pegou a faca
palavras nem sempre precisam

esse corte nada estanca, ele queria vingança mera
quem sabe apenas um furo
aquela flor desbotou de velha
o vaso sem sentido ...

a faca caída num trêmulo gemido
mais ninguém no corredor gelado
pernas nuas cobrem-se aflitas no apartamento
esse corte que ficou na intenção
(ela medita)

o teclado agoniza
no corredor apenas o som vazio
impossível esse corte se somos vizinhos
(ela pensa, mas não diz) e, pensando, refaz planos

procura em classificados o bairro ideal
pinta círculos nos jornais
esse corte...
(ela pensa, caneta entre os dedos,
tesoura em punhos)
destino certo

quinta-feira, junho 09, 2005

Resolução

Fernanda Shcolnik

Queria saber como ser-
não-sendo.
Se enchia de pessoa.
Um dia, abriu as janelas
jogou tudo fora.
Preferia ser-
estando
(pensou em clarice)

quinta-feira, junho 02, 2005

Monólogo de Ana

Fernanda Shcolnik

O córrego é sempre o mesmo.
Intacto, percebe tudo, assiste,
mora ainda em mesmos sítios, vaga na noite, parando estrelas.
O som tampouco muda.

Vejo o barco no rio calmo, como se fosse hoje.
Vejo ainda aquela quietude que a história sujou.
(A fuga dos generais ainda não acabou)
Vejo ainda, e ouço, os gritos de pavor.

A quietude reinante voltou.
Lembro bem de uns dias longos,
deixados, passados para trás,
trazidos por pensamentos felinos em dias que sinto cheiro de árvore,
chuva, pássaros.

Ver o córrego reluzente é mergulho em páginas velhas,
molhadas ainda daquelas águas matinais.
Intensas.
Quase que
impenetráveis.

Monólogo de Ana (Parte II)

Fernanda Shcolnik

Ana cola sentimentos
rasga
censura
e, no final,
nada.

Ana pensa e geme e dança
guardando memória antiga
mexendo numa ciranda
e roda e dança.
Quase alcança o impenetrável.

A menina colhe sonhos emplumados – muito bem sonhados
tentando construir um anexo
para guardar segredos, esconder minúcias dos imaginados.
Ela quer, se esforça, disfarça para si.
No final:
nada.
Ana então cessa a dança, o sonho, a casa
e se joga, quase nua, num mergulho exemplar.