quarta-feira, setembro 28, 2005

Resquícios

Fernanda Shcolnik

No assoalho, marcas da turbulência
exibem suas cores de garras finas
e patentes.

quarta-feira, setembro 14, 2005

Um arregalo

Fernanda Shcolnik

Velocidade direta.
Tudo direto ao ponto.
Sujo as mãos em um livro antigo de prateleira
mal limpa, marcas do tempo, totalmente
desafiadora.
Desafia e se mostra na veia aberta e roxa.
Eu vejo um roxo.
Falo calada ao menino de Santa Teresa
o das calças-xadrez
que as minhas palavras são bem mais bonitas que as suas
(dele)
aquelas não respondidas.
Você se lembra?
Sujar as mãos com prateleira de livro antigo
um sonho antigo:
escrever foi realizar e: parar.
(Porque já foi.)
Tudo num direto
passando em asfalto o barulho que some
o mundo sem som. O som dos pneus. Os olhos que cerram.
Peço luz, eu imploro: luz!
Os olhos se cerram junto às cortinas.
O cheiro da veia roxa exala.
Os poros se fecham mas logo se abrem.
Um outro dia que nasce.

terça-feira, setembro 13, 2005

Concepção

Fernanda Shcolnik

De pé ao lado da mesa, a japonesinha de um olho só gesticula linguagens sob a ponta do chapéu de palha. Pequena e baixa, compacta e leve, o olho amendoado parece ter acabado de sair de um papel - suas cores frias acariciam o tempo.

Fina e rasgável. Como seda de abajures.

Sabiamente contempla o início da chuva, enquanto o bonde sobe os trilhos, longínquo e só como num deserto. Cabelos lisos e ralos pairam rentes aos ombros amarelados. Quase pintura, a japonesinha fala e até sorri, com o seu único olho bem aberto ao tempo.

Seu verde vivo e forte quase abocanha a cara.

Quando a chuva escorre pelas pontas dos telhados sobrepostos, os pingos resvalam, correm nos intervalos do chão de pedra. As esteiras se arrepiam. As espadas, caladas.

O silêncio é que domina o espaço denso da sala.

No real ela se funde, juntando as cores, saindo das entranhas de cabelos cheios, lisos e pretos. Estampada de infinito, desprovida de memória. Concebida apenas por uma pele branca e cheia. Unhas de tinturas marrons derretem nos vãos da claridade.

quinta-feira, setembro 01, 2005

Cacos

Fernanda Shcolnik

Maria caiu da cama,
acordou pela metade.
Apertava os olhos castanhos e conseguia apenas
lágrimas torrenciais.
Acordara pela metade, com cara de outra,
inchada
e lhe disseram então
“Bem feito”.
(Por não saber se completar sozinha.)