segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Uma tarde

Fernanda Shcolnik

Dedos rasgados da mão que escreve
suam na tecla bem mastigados.
Toda a pele acabada em traços:
pedaços rasgados comidos
qual trapos.

Resquícios da carne se espalham na sala
bóiam sobrados
por cantos da cama entre dobradiças e
pelas poltronas.
Retalhos deixados em forma de arestas
dobram cores e luzes.
Retratos.

Uma criança de olhos imersos
mira as janelas de um lado da sala.
Atenta escuta a chuva que corre
e a mão que insana escreve
sem pausa.

Pingos escorrem da velha marquise e
na venda da esquina
alguém atrasado
compra cigarros e
lê as notícias.
Os pingos palmados no chão indicam
quietude larga no apartamento.
Ao lado, o vão da escadaria sugere
caminhos implícitos em pingos e rastros.