Fernanda ShcolnikSentia-se pequena. Quando o ciúme chegava, pintava imensos envelopes em cartolina branca. Neles, escrevia: “CARTA DE AMOR”. Em vermelho.
O mundo era como uma incubadora, que sufocava, sufocava, matando aos poucos, sem ar.
Pegava o ônibus lotado, viajava de pé, cartolina em punhos e entregava ao homem: “CARTA DE AMOR”. Vazia.
Nela, apenas o envelope tentando dizer, talvez desculpar-se por sentimentos tão escondidos, que não se entendia o objetivo.
Onde estava a carta de amor nessa CARTA DE AMOR?
Apenas sentia-se pequena, e inventava coisas simples em papel com tinta, cores fortes, outras cinzas. Era o mesmo ritual. Sempre.
Sentar-se à mesa escura em madeira, acender um cigarro breve, restos de um outro dia, pingar no cinzeiro lento, calmamente, enquanto lá fora é chuva.
Restos de chuva pingada a esmo. Ouve-se ainda o som: da chuva, dos pingos, o grave silêncio que ocupa a casa, os prédios, a rua, bairro inteiro.
Um silencioso no meio do nada, pincel na boca enquanto imagina:
Escrever uma carta de amor, pois a paixão é grande e transborda, sujando o chão, chegando à sala, pairando como fumaça, fazendo desenhos no ar tão limpo...
Enquanto isso, ela ainda espera, sentindo ânsias de choro preso, espera um vômito, talvez um termômetro, para medir a saúde mental.
Ela, que era poeta, já virou prosa. As portas viraram janelas; o lápis, tinta; a carta, envelope.
Então, num estranho movimento, se embrulhou bem por dentro, bem fechado. Lacradinho. E pôs em volta uma fita bege, escrito: “pra presente”.