Alice
Fernanda Shcolnik
Alice mandou carta sem resposta.
Teria Gisela lido?
Poderia ter morrido, já que a outra se matou. Já que os carros passam todos os dias por cima de pedestres que correm, embaixo de passarelas ornamentais.
Alice mandou carta sem resposta, lembrou que Gisela rimava com pastela. E pensou, não deve ter lido. Tampouco morrido, o que deixa a possibilidade de resposta atrasada.
Era um dia de setembro quando brigou por ciúmes, por falta de afeto por si própria, por uma beleza maior por fora que por dentro. Era setembro quando vislumbrou a chuva, o início da chuva, quando fugiu de si caminhando em ruas estreitas, onde a ciclovia era pouca para tanta gente, e cheia de poças onde não tinha gramado.
Cartas pisadas pelo chão molhado, dia desgostoso pós-festa. Tempo virado, inesperadamente num domingo.
Latas de lixo vazias, serviço de busca na internet com pessoas do mundo inteiro fichadas por sobrenomes.
Um papel encontrado no livro usado, comprado há pouco para leitura insólita e totalmente desinteressada de conteúdo. Desatual, atualmente.
Alice chorou sem querer chorar, pois novamente se partira em pedaços minúsculos, partículas de corpo desusado, pedaços como em cacos, tudo espalhado em locais indeterminados, espalhado em outros lugares. Ausência. Alice corre para encontrar Clarice, aquela dos desafetos, do corpo estranho, da mente indecifrável. Mas Clarice não está. Talvez, como Gisela, pudesse ter morrido, ou apenas não lido o recado grudado ou, ainda, somente errado de esquina.
Enquanto isso, Caetano canta alegremente na máquina de escrever contemporânea e quieta. Um silêncio é também cortado por barulhos de elevador, por análise de palavras, uma a uma, de um poema intencional que causa choro infantil. Alegria, alegria fragmentada em tons.