Gradação
Fernanda Shcolnik
Foi no mesmo pôr do sol que Lia se cansara do mundo. Sórdidas lembranças. Vestida com sua nova blusa lilás, contemplava o céu de agosto vendo tudo imerso em bolhas que não se acabavam, pois subiam incessantes chegando ao pescoço, inundando tudo ao redor. Enquanto flutuavam, turvando o mundo, Lia pensava o quão estúpida havia sido, comprando aquela blusa lilás que não mudara em nada o seu pobre espírito. Cogitava a fuga, rebaixando todo aquele cenário que a envolvia, num roxo e amarelo em conflito. Brigando na areia. Misturando-se. Formando uma massa roxa escura quase negra.
Enquanto isso Anete lembrava aos poucos do que existia, resgatando memórias deitada numa cama tão limpa e triste. Inigualáveis as suas lembranças. Cada farelo que adquiria era a prova do inefável e de que, o que não se explica, basta se sentir. E sentia nesse quarto, submersa em silêncio intacto, a pureza do sol tão quente que inundava a areia do bairro, a poucos quarteirões dali. E era como se de fato experimentasse aquela quentura a amornecendo, e como se a vida a convidasse de um modo simples e discreto, brotando cada dia mais. Era o despertar mais bonito e mais sereno. Um descobrir quieto e espaçado. Mais contagioso que o sol.
2 Comments:
Lindo, Nanda, lindo!
E comovente...
Beijos a voce e a "Anete"
Mami
está ótimo!
gostei bastante
calor
quente
vá explicar...
uns beijos
thiago ponce
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