Concepção
Fernanda Shcolnik
De pé ao lado da mesa, a japonesinha de um olho só gesticula linguagens sob a ponta do chapéu de palha. Pequena e baixa, compacta e leve, o olho amendoado parece ter acabado de sair de um papel - suas cores frias acariciam o tempo.
Fina e rasgável. Como seda de abajures.
Sabiamente contempla o início da chuva, enquanto o bonde sobe os trilhos, longínquo e só como num deserto. Cabelos lisos e ralos pairam rentes aos ombros amarelados. Quase pintura, a japonesinha fala e até sorri, com o seu único olho bem aberto ao tempo.
Seu verde vivo e forte quase abocanha a cara.
Quando a chuva escorre pelas pontas dos telhados sobrepostos, os pingos resvalam, correm nos intervalos do chão de pedra. As esteiras se arrepiam. As espadas, caladas.
O silêncio é que domina o espaço denso da sala.
No real ela se funde, juntando as cores, saindo das entranhas de cabelos cheios, lisos e pretos. Estampada de infinito, desprovida de memória. Concebida apenas por uma pele branca e cheia. Unhas de tinturas marrons derretem nos vãos da claridade.
3 Comments:
essa eh uma que eu vi e que sumiu!!! e voltou em grandíssimo estilo. O que ocorreu com ela ao certo????
Pois é, eu me precipitei quando postei pela primeira vez, porque tinha acabado de escrever e já pus logo no blog. Depois, relendo, vi que tinha que lapidar melhor, e foi o que eu fiz, mexi nela bastante. Antes tava em versos, agora mudei tudo mesmo, ela ficou bem diferente do que era a princípio. Que bom que vc gostou, pq até agora ninguém tinha se manifestado sobre ela!
Fernanda,
pude ler alguns de seus textos e achei este o mais belo.
É certo que merece mais atenção.
Um abraço,
F.
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