sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Catarse

Depois da catarse, o susto. A retomada de consciência. Além de não ter depilado as pernas, a mulher mantinha-se estática, porém falava, ainda que confusa, mas sem muitos gestos, abordando alguns pormenores particulares do seu dia enquanto pinçava pelos da superfície. Depois da catarse, um silêncio de culpa. O quão desnecessário havia sido. E o que havia sido necessário para que percebesse tudo. Depois da paz, os gemidos. Antes do choro, um grito. Não obstante, Maria fervia na mesma cozinha, de onde o cheiro do feijão queimado se alastrava na vizinhança. O gás escapava pela janela escancarada da área de serviço. Depois da catarse, um grito. Um êxtase. Do jeito que deve ser. Do jeito que dizem e depois veio a paz. Contagem do zero. Sabia-se omissa, sabia-se do fundo da alma e por isso agora queimava o feijão, imersa nos sonhos mais loucos e alaranjados. Num mar de claro escuro formado de angústias vestidas em conchas, um mar neo-barroco, loucura temporária, porém sem tempo determinado para se diluir em VIDA.