quarta-feira, novembro 09, 2005

Distensão

Fernanda Shcolnik

Ana queria virar papel. Desejosa. Que vida essa dos caminhos tortos e das curvas e vãos nos caminhos. Na saleta uns papéis cortados, grafia a lápis. Livros na estante e pastas de burocracias. Um objeto em forma de uva para inserir clitóris adentro em noites secas, mas chuva lá fora. Desejosa de um mais, queria era virar papel para se distribuir pelos corredores sem interesse que a cercavam.

Ana e os objetos, na geladeira uma uva em forma de pêra encarava seus olhos e os potes de requeijão vencidos que dormiam na lateral da porta. A tesoura cortava os plásticos recolhidos do seu vôo. Serviam para embrulhar presentes, doces que enfeitava com mel e purpurina. Os caminhos tortos e curvos estavam por todo o lado. O espelho à noite era se olhar nua e crescente, mirando a evolução dos pelos, das próprias curvas e as minúcias de cada gesto e feição efêmeros. Quem sabe tirar uma foto.

Na era digital nada se guarda e Ana lamenta a falta do tanto que tem na memória. Quase transborda e, enfim, se guarda, se esvai, atola a mente estafada dos tantos ares. Incontáveis. De anos e vida ela sabia pouco, embora percebesse a passagem dos dias na mesma órbita da mesa de objetos, dos embrulhos ornados em plásticos, das frutas da geladeira e de toda a reciclagem que elaborava com vento e nó. Perfazia lembranças com linha e cores ocasionais. Queria virar papel para se disseminar ou se extinguir. E ainda assim levantava cedo, manhãs e tardes em gastos a fio. Não tem nunca nessa escolha, não tem isso, não tem não.

9 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Temporada de prosa -> Ta aí mais uma que achei no arquivo.

E valeu pelos comentários! Adoro ler as opiniões de todos que me escrevem aqui. Nem esperava tantas tão rápido - (deve ter sido a minha demora pra postar de novo, né??). Então, espero que vocês gostem dos próximos textos.
beijos pra todos!

09 novembro, 2005 18:39  
Anonymous Anônimo said...

gosto dos seus texto porque eles desenham imagens. Sempre digo isso. mas é inevitável minha redundãncia.

Outro: Também tem cheiro, paladar, ruídos, cores. Enfim, uma peça inteira de teatro. Esse texto em particular é muito cheio de "sentidos", como esses que falei.

ps: Carlos agradece. Ele sabe que é a sensação do blog.

10 novembro, 2005 00:32  
Anonymous Anônimo said...

Sugestão: esse é um amigo meu de Fortaleza que escreve coisas muito interessantes. Ele começou agora um blog e estou divulgando pq vale a pena.

http://fredericolaufer.zip.net/
Frederico Laufer

Vê o que vc acha.
Um bjo

10 novembro, 2005 00:50  
Anonymous Anônimo said...

Que bonito.

Thiago Ponce

12 novembro, 2005 10:39  
Anonymous Anônimo said...

caramba!eu pensei isso!Que eu era uma página em branco...Muito bom esses dois últimos postados!beijo e saudade...

19 novembro, 2005 18:24  
Anonymous Anônimo said...

é flávia

19 novembro, 2005 18:25  
Anonymous Anônimo said...

Não entendi. Ela comia os doces com purpurina?
Não dava dor de barriga?
E quando ela ia no banheiro saia a purpurina inteira?
Tnatas questões e tantas perguntas....TAM! TAM!
Poema lodista:
Ana comia purpurina
Quando ela ia no banheiro cagava colorido
Pensava quando olhava a vida o vaso!
Quer merda é essa!
Pronto poema lodista só pra vc!
0tt0
p.a.(eu voltei! vá no meu blog!)

23 novembro, 2005 16:10  
Anonymous Anônimo said...

Que honra! Você desconstruiu lindamente o meu poema... hehe
Não sei nem o que dizer sobre essas palavras. Vou no teu blog sim. até.

23 novembro, 2005 16:16  
Blogger Miguel do Rosário said...

parabéns pelo texto, fernanda. descobri seu blog através do Bagatelas, do qual também faço parte com uma coluna mensal de entrevista.

abraço, miguel
ah, qdo puder dá uma entrada no meu blog, hellbar.blogspot.com e no site www.arteepolitica.com.br

26 novembro, 2005 12:30  

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