terça-feira, novembro 01, 2005

Maquiagem

Fernanda Shcolnik

Chegou toda certinha. Sandálias de dedos nos dedos magros, pulsos finos, seios grandes. Tinha mãos perfeitas para digitadora ou pianista: dedos magros, mãos magras, o braço todo magro, ela quase toda magra.Fazia ginástica com os dedos até ficar com tendinite, não cumpria com as promessas e depois queria tudo pra si, como se tivesse direito ou merecesse. Também, a enxaqueca matava lento, diariamente. Dor no peito, na cabeça, e nem era menstruação!

Detestava ser mulher, repudiava, começou a se mudar, se maquiar, quase que masoquista, se enrustindo, chorando no espelho, riscando a cara, rasgando a própria imagem. Não queria ser mulher nem homem: Queria ser NADA. Um nada que ninguém notasse, para que ninguém percebesse, que não fazia diferença se estava ali, ou não.

Súbito, pegou a maquiagem branca, muito branca, e se embranqueceu inteira: primeiro o rosto, depois pescoço, seios, o tronco todo, chegando ao sexo, às pernas lindas, ossudas, barriga no ponto, não queria mais saber de nada como tinha que ser. Agora, era do seu jeito, e se botou mais branca que parede recém pintada. Pra que virasse fantasma, ninguém a visse. Podiam chamar, que não respondia. Não respondia mais.

Comprou o vestido branco mais branco, mais belo, mais transparente – não importava. E saiu na rua, pela janela, muito solta, voando em queda livre, mais livre que nunca, num SER, enfim, seu. Que parece neutro, mas é um só. Só agora se sentia algo, fosse algo o que fosse, era a sua plenitude de ex-mulher, de um nada flutuante, desperdiçando o corpo em rajadas voadoras, nas calçadas de Ipanema, as dondocas todas fazendo compras e ela lá, voando branca em vestido branco, sem calcinha: seu corpo era um, sua cor também, tudo junto numa brancura una, empolada de pó e nudez, e voou para sempre com suas asas juvenis, fingindo estar num picadeiro.

8 Comments:

Blogger Heitor said...

E vou q essa é uma prosa "mais prosa" do q as anteriores. É quase narrativa... O q está havendo com a Fernanda?:-)

Ah, e este post, foi do tipo planejado ou espontâneo?

03 novembro, 2005 22:10  
Anonymous Anônimo said...

Pois é, nem tudo por aqui é poema, né... Apesar de eles predominarem.

Esse texto não é novinho não. Ele, na verdade, tem mais de um ano. Escrevi ano passado, quando fiz alguns textos assim, narrativas curtas. Um deles inclusive foi o "Marília", já publicado aqui no blog e que muitos elogiaram.

Esse foi "desenterrado" agora por uma crise de criação (que eu espero que acabe logo!!). Como eu não postava ha muito tempo, achei que tava na hora de mexer nisso aqui.. Espero que vcs tenham gostado! =)

04 novembro, 2005 02:38  
Anonymous Anônimo said...

forte e até perturbador. intenso.

sempre mto ver ver atualizações por aki. O Eq. eu atualizei hoje. Depois da um olhada.

bjk

06 novembro, 2005 02:05  
Blogger applepie♥ said...

texto lindo!

voce fez "voar" parecer algo tão levinho...

06 novembro, 2005 03:56  
Anonymous Anônimo said...

Máscara radical. Legal é que eu não descobri se eu gostaria ou não de fazer o mesmo que a moça. Muito dúbio. Assim que é bom.

E, oui, oui, c´est moi o amigo do Baoobi. E do Heitô também! Mas no Tonga da Mironga escreve uma pá de gente. Um pra cada dia da semana.

07 novembro, 2005 16:31  
Anonymous Anônimo said...

Que beleza!
Anda escondendo textos ótimos por aí, ahn.

Muito bom demais.
Hierarquização do nada que sempre é e tudo.

Beijo,

Thiago Ponce

08 novembro, 2005 14:36  
Blogger Cadu Corrêa said...

Oi, vi seu link no Organdi da Julia.
Muito bom, adorei.
Parabéns.

08 novembro, 2005 18:31  
Anonymous Anônimo said...

Nandinha, ADOREI!! Tanto este como Distensão. Imagens incomuns, novidades, muito bom!!

09 novembro, 2005 18:15  

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